Carla Cardoso: "Eles conseguem sempre, como vocês, exceder as nossas expectativas."

Carla Cardoso: "Eles conseguem sempre, como vocês, exceder as nossas expectativas."

A professora Carla Cardoso foi a eleita da semana para responder à curiosidade dos nossos jornalistas. Professora de Educação Física na nossa escola, a professora Carla reparte o seu dia a dia pessoal e profissional numa data de tarefas e responsabilidades. Quisemos saber mais. 

 

Professora Carla, soubemos que é uma pessoa muito ocupada. Quer falar-nos um pouco do que faz no seu dia-a-dia fora da escola?

Fora da escola sou mãe, e sou responsável por um projecto de natação adaptada da empresa Municipal Feira Viva.

Como consegue dedicar-se a tanta coisa ao mesmo tempo?

Relativamente à situação do projeto, foi um convite realizado pela empresa Municipal Feira Viva em 2007. O objectivo do projecto era nós proporcionarmos às pessoas com deficiência, a oportunidade de se prepararem para os campeonatos para-olímpicos. Porque nos demos conta que perante um conjunto tão grande de cidadãos do nosso concelho, com estas características, não havia ninguém que lhes proporcionasse uma prática desportiva de alta competição. Mesmo assim, não se cinge só e unicamente ao nosso concelho, concelho de Santa Maria da Feira, mas sim a toda e qualquer pessoa com alguma deficiência, física ou intelectual, até mesmo sensorial que nos procure e queira praticar um desporto de alto rendimento.

 

E essa sua ligação à natação, quando começou?

Eu sempre estive ligada à modalidade, como praticante da natação, nunca numa questão desportiva, porque aqui na zona não havia oferta tirando a AEJ que é de São João da Madeira. No concelho Santa Maria da Feira, não estava desenvolvida essa modalidade. Depois, quando fui para a faculdade, enquanto aluna, acerta altura do curso, tive que fazer uma especialização, e aí como sempre gostei muito da modalidade da natação especializei-me nessa área. Depois, mais tarde, depois de fazer a licenciatura, fiz um mestrado de alto rendimento em natação.

 

Soubemos que tem tido muito êxito nessa sua atividade como treinadora de natação. Quer-nos falar disso?

Logo depois de iniciar-me em 2007 houve uma adesão de vários nadadores, de várias pessoas. Uns já nadavam, outros não, uns tivemos de iniciar um processo de adaptação ao meio-aquático, enquanto para outros já tivemos que promover o aperfeiçoamento técnico. Foi um trabalho árduo e, a partir daí, começaram a aparecer resultados, alguns de nível nacional. Perante estes resultados três nadadores do clube de natação adaptada da Feira Viva foram chamados à seleção nacional, para o Campeonato do Mundo que se realizou em Albufeira. E pronto, a partir daí continuaram a fazer parte da seleção. Tivemos outros dois nadadores com paralisia cerebral a participar na seleção nacional num campeonato internacional em Cádis, Espanha, e que entretanto foram nadar a Taiwan (lha Formosa - China). Fui convidada para ser selecionadora nacional quando fui para Taiwan e desde então estou ligada a seleção nacional de meninos com síndroma de Down. Espero um dia ter nadadores também ligados ao Comité Paralímpico na área da deficiência motora e invisuais. É esse o nosso próximo passo.

 

Também soubemos que tem viajado muito. Onde esteve?

Com a seleção nacional estive em Taiwan, em 2010. Entretanto estive também no sexto campeonato do mundo, em Loano, Itália, em 2012, e mais recentemente, em Estarreja, aqui em Portugal, já este ano de 2013.

 

Como se sentiu ao levar a sua equipa à China no Campeonato do Mundo?

Fui lá com os meninos com Síndroma de Down. São meninos que têm dificuldades e limitações da área intelectual, mas como têm um síndrome que é cariótipado, isto é, têm um cariótipo diferenciado – algo que não vale explicar agora – então eles têm um campeonato diferenciado. Falo do campeonato do mundo da DSISO que é a instituição a mundial que organiza campeonatos de natação para meninos com Síndrome de Down. A ida à China foi uma situação muito empolgante, primeiro porque era um país que nós nunca sonhámos ir; a China está do outro lado do mundo tem uma língua muito diferente, são pessoas diferentes e só o fato de ser no oriente, toda a envolvência é diferente. Porém, nós não fomos para à China, propriamente dita. Fomos a Taiwan, a quem eles chamam a “Ilha maravilhosa” (para nós, Ilha Formosa), que é uma zona, digamos, mais requintada da China. Fomos muito bem recebidos. Os chineses falam pouco Inglês e nós tivemos muita dificuldade na comunicação oral, porém, como tínhamos todos os olhos em bicos (risos) porque o síndroma de Down também tem uns olhos assim, é uma característica deles, misturámo-nos bem. E como estávamos lá todos com um objetivo que era a natação, a competição, correu muito bem. Inclusive, os nossos nadadores tiveram muitos bons resultados.

 

E quanto tempo se dedica à natação semanalmente?

Todos os dias. Todos os dias, tenho que pensar em treinos, pensar em todo o planeamento. Por isso, duas horas por dia são dedicados à natação, porém só estou presente nos treinos, quatro vezes por semana, nesta fase, em que eles só têm treinos diários, os nadadores fazem seis treinos de 2 horas por semana. Na semana, são assim doze horas, mais ou menos. Mas nunca são duas horas por dia, é sempre mais um pouquinho mais entre treino de água, alongamentos, preparação, aquecimento. Dá sempre por volta de duas horas e meia e eu estou presencialmente com eles quatro treinos por semana, à terça, à quinta, ao sábado e pontualmente à sexta-feira. Depois de Novembro, eles vão começar a ter treinos bidiários, isto é, duas vezes por dia, à terça e à quinta vão treinar de manhã desde as sete e meia e às sete e meia e depois continua a ser o treino normal das seis e meia às nove da noite.

 

Mas, isso é muito trabalho. E ainda tem tempo para se dedicar à sua vida pessoal, filhos, marido, etc.?

Isso é a minha prioridade, quer queiramos, quer não. Há momentos no ano em que a natação me obriga a que eu me dedique um bocadinho mais, quando há campeonatos do mundo, quando há fins-de-semana com competições, porém, a minha prioridade é a minha família. Depois tenho a escola que, em paralelo com a natação adaptada, é a minha vida profissional. Mas há sempre tempo para praticar.
 

Gostaria de deixar alguma mensagem aos leitores dos Rolhinhas?

Gostaria de dizer a todos que nada é impossível, têm é que acreditar nas suas capacidades. E principalmente com meninos que têm alguma limitação e alguma necessidade educativa especial temos que tratá-los de igual forma com os demais, temos que exigir sempre mais do que o que exigimos com os meninos ditos normais, temos que os ajudar quando eles não percebem, quando eles não processam a informação e temos que ter a noção de que eles conseguem fazer muito mais do que aquilo que nós estamos à espera. Eles conseguem, sempre como vocês, conseguem sempre exceder as nossas expectativas.

 

(Entrevista conduzida por Rute Miriam, Vanda Pereira, Sofia Castro, Rita Tavares, Mariana Bastos, Joaquim Couto. Edição e publicação por Ricardo Ribeiro)

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